Sexualidad, Salud y Sociedad

REVISTA LATINOAMERICANA


ISSN 1984-6487 / n.3 - 2009 - pp.10-32 / www.sexualidadsaludysociedad.org






Fronteiras da relação.

Gênero, geração e a construção

de relações afetivas e sexuais




Andréa Moraes Alves


Doutora em Antropologia – MN/UFRJ

Professora Adjunta do Depto. de

Política Social da Escola de Serviço Social

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ


> andreamoraesalves@superig.com.br



Fronteiras da relação. Gênero, geração e a construção de relações afetivas e sexuais'


Resumo: Trabalhos sobre interações sociais no campo da sexualidade vêm sendo desenvolvidos nas ciências sociais brasileiras desde os anos 1980. Esses trabalhos nos ajudam a pensar sobre os eixos que tornam possível a interação social (afetiva e sexual) nas sociedades urbanas contemporâneas. Em um contexto social em que o que é valorizado é a “livre escolha”, como é o caso do discurso amoroso e erótico a partir do advento das sociedades modernas, quais seriam os marcadores sociais que nos permitiriam compreender o cenário de produção de relações sexuais vistas como mais legítimas do que outras? Neste artigo, meu enfoque recai sobre um tipo específico de marcador social, a geração. Pretendo tratar a geração mais de perto porque julgo central sua pertinência para a produção de normas sexuais compartilhadas entre pares. A gramática geracional, ou seja, os códigos que são entendidos pelos indivíduos de uma mesma geração, cria um vocabulário que confere inteligibilidade às ações individuais num determinado contexto e, assim, contribui para a construção de trajetórias individuais. Neste estudo, analiso os discursos de duas gerações de mulheres sobre a fidelidade nos relacionamentos afetivo-sexuais.

Palavras-chave: gênero; geração; sexualidade; trajetória individual


Fronteras de la relación. Género, generación y la construcción de relaciones afectivas y sexuales


Resumen: Diversos trabajos sobre interacciones sociales en el campo de la sexualidad vienen desarrollándose en el ámbito de las ciencias sociales brasileras desde los años 1980. Estos trabajos nos ayudan a pensar acerca de los ejes que posibilitan la interacción social (afectiva y sexual) en las sociedades urbanas contemporáneas. En un contexto social en el que se valoriza la “libre elección”, como es el caso del discurso amoroso y erótico a partir del advenimiento de las sociedades modernas, ¿cuáles serían los marcadores sociales que permitirían comprender el escenario de producción de unas relaciones sociales vistas como más legítimas que otras? En este artículo, mi enfoque recae sobre un tipo específico de marcador social, la generación. Pretendo abordar más de cerca la generación, pues considero central su pertinencia para la producción de normas sexuales compartidas entre pares. La gramática generacional, es decir, los códigos que son entendidos por los individuos de una misma generación, crea un vocabulario que confiere inteligibilidad a las acciones individuales en un determinado contexto y, de este modo, contribuye a la construcción de trayectorias individuales. Analizo, en este trabajo, los discursos de dos generaciones de mujeres acerca de la fidelidad en las relaciones afectivo-sexuales.

Palabras clave: género; generación; sexualidad; trayectoria individual


Boundaries in a relationship. Gender, generations, love and sex


Abstract: Social science research on sexuality has been conducted in Brazil since the 1980’s. Those works help us elaborate on the conditions which make social interactions possible in contemporary urban societies. In a social context where great value is attributed to “free will”, as is the case for erotic discourse in modern societies, which social markers allow for the production of legitimate sexual relations? In this article, I address one specific social marker: generation. Its operation is crucial for the production of sexual norms between peers. A generational grammar, as the codes understood by individuals of the same generation, create a vocabulary which provides intelligibility to individual actions in context and, by the same token, contributes to the construction of individual trajectories. In this study, I analyze the discourses of two generations of women regarding fidelity in sexual relationships.

Keywords: generation; gender; sexuality; individual trajectory





Fronteiras da relação.

Gênero, geração e a construção de relações afetivas e sexuais








A articulação entre sexo, gênero e sexualidade tem sido debatida ao longo dos últimos anos pelas ciências sociais. Embora sejam tomados como distintos, há uma profícua discussão acadêmica (e política) sobre os níveis de conexão (e de desconexão) entre eles. Os estudos no Brasil refletem uma pluralidade de posições, desde trabalhos que se ancoram mais na visão sobre a produção social da assimetria de gênero até aqueles que demonstram uma maior atenção à instabilidade das identidades sexuais. Há uma tensão no campo das pesquisas sobre sexo, gênero e sexualidade entre iluminar aspectos que apontam para a existência e a persistência dos idiomas de gênero na construção de valores sobre sexualidade e, do ponto de vista das subjetividades, indicar a mobilidade das construções de gênero e o caráter fluido das identidades sexuais. No primeiro caso, trata-se de perguntar, como afirma Stolcke (2004), em quais circunstâncias históricas e em que sentido as diferenças de sexo (ser classificado como homem ou como mulher) engendram desigualdades de valor e poder entre seres humanos, inclusive no campo da sexualidade. No segundo caso, como afirma Butler (2004), indicar quais são os momentos em que o sistema binário de gênero é ameaçado, a coerência das categorias é posta em questão e a própria vida social do gênero torna-se maleável. Os momentos mais destacados, segundo Butler, são aqueles em que se coloca em xeque a norma da heterossexualidade ou da apresentação de gênero dos corpos sexuados.

O interesse central da pesquisa que venho desenvolvendo atualmente, intitulada “Mulheres, gerações e sexualidades”, é com a maneira pela qual determinadas mulheres podem e fazem certas escolhas em sua vida afetiva e sexual. Nesse sentido, é uma preocupação com a prática individual e com as relações entre indivíduos em contextos sociais. Penso esses contextos como espaços de interação que não são controlados pelos indivíduos, mas produzidos por relações sociais, e nos quais esses indivíduos se localizam e se locomovem orientados por valores e intenções (Giddens, 1989). Na seara dos estudos sobre sexualidade, meu trabalho aproxima-se da perspectiva de Gagnon (2004) e de sua teoria dos scripts.

Em pesquisas sociológicas recentes sobre sexualidade, inspiradas pela ideia de scripts e cenários sexuais, a questão central é a de encontrar, a partir do ponto de vista individual, uma explicação para a ação sem, no entanto, tomar esse ponto de vista como algo subjetivo no sentido estrito. As preferências sexuais e os atos são organizados pelos atores sociais em forma de scripts, ou seja, como ordenações sequenciais, e tais ordenações seriam capazes de revelar três dimensões da ação: a intrapsíquica, a interpessoal e a cultural ou cenários. A percepção da articulação entre estas três dimensões torna-se o grande desafio para as pesquisas sobre condutas sexuais que partilham de uma perspectiva construtivista da sexualidade (Vance, 1995). A dimensão intrapsíquica diz respeito ao plano subjetivo da vida mental; a dimensão interpessoal, à organização das interações sociais; e a dimensão cultural, às prescrições coletivas. O script é o resultado de um processo de combinação destas dimensões, um processo que é operacionalizado pelo ator individual como um relato.

Os scripts estruturam-se como relatos e contêm elementos verbais e não-verbais. Como todo relato, eles são manipuláveis, mas não são ficções. Eles não explicam situações concretas, mas servem de mapas de orientação para conferir coerência à trajetória individual. Em nome dessa coerência, o sujeito pode manipular os eventos (que são elementos do script), reordená-los no tempo, reinterpretando-os, colocando maior ou menor ênfase em alguns e estabelecendo conexões de causa e efeito entre eles. Gagnon denomina isso de “capacidade adaptativa” dos scripts. Não há como não lembrarmos da “ilusão biográfica” de Bourdieu (1996). Mas, diferente de Bourdieu, os cenários culturais são tomados pela teoria do script como palco das interações e objeto de manipulação intrapsíquica ou, como diz Bozon:


Ainda que constituam o pano de fundo simbólico do sexual, os cenários culturais só funcionam como objeto de interpretação (no sentido teatral) dos atores sociais, por um lado, no plano intrapsíquico e, por outro, no plano interpessoal no momento da negociação das condutas. A atividade intrapsíquica implica reformulações e improvisações feitas pelos indivíduos, que se apropriam, à sua maneira, de conteúdos culturais cujo ritmo de transformação histórica pode ser muito lento. A elaboração interpessoal é comandada pelas condições sociais de interação: com poderes e recursos desiguais, os atores nem sempre compartilham o consenso que, aparentemente, existe no plano cultural, mas fazem concordar suas condutas sobre um fundamento de ritualidade social. (2004:131)



Seguindo uma tradição mais próxima do interacionismo simbólico, a teoria do script adere a um sentido mais individualista acerca das condutas sexuais. Desta forma, é uma abordagem que se preocupa menos com as condições de instabilidade das identidades sexuais ou com a estrutura da assimetria de gênero e tenta outro caminho: pensar as relações sexuais como relações sociais que se pautam em decisões individuais, nem sempre conscientes e controláveis, que se dão ao longo de uma trajetória. Essas relações, como todas as relações sociais, são relações de poder e colocam em jogo valores sociais, posições de prestígio e recursos materiais.

Em artigo de 1995, Gagnon e Laumann assumem como um desafio para a teoria do script o desenvolvimento de considerações mais profundas acerca das interações sociais, ou seja, da dimensão interpessoal das condutas sexuais. Segundo os autores, a teoria do script deixa a desejar neste ponto por duas razões:

Em parte esse é o resultado de um interesse maior da teoria do script pelo meio simbólico (cultura) e pelo indivíduo (vida mental) do que pela estruturação social da interação sexual; mas isto também reflete um compromisso residual com uma abordagem individualista da sexualidade, ao invés de uma preocupação com os contextos concretos e performances da interação que modelam a conduta sexual como uma performance social (Laumann & Gagnon, 1995:191).


Trabalhos sobre interações sociais no campo da sexualidade vêm sendo desenvolvidos nas ciências sociais brasileiras desde os anos 1980. Podemos lembrar alguns que foram pioneiros, como os de Perlongher (1987), Heilborn (1984) e Gaspar (1985). Esses trabalhos nos ajudam a pensar sobre os eixos que tornam possível a interação social (afetiva e sexual) nas sociedades urbanas contemporâneas. Em um contexto social em que o que é valorizado é a “livre escolha”, como é o caso do discurso amoroso e erótico a partir do advento das sociedades modernas, quais seriam os marcadores sociais que nos permitiriam compreender o cenário de produção de relações sexuais vistas como mais legítimas do que outras?

Neste artigo, meu enfoque recai sobre um tipo específico de marcador social, a geração. Não penso esse eixo isoladamente; os marcadores sociais encontram-se sempre em correlação. Mas pretendo tratar a geração mais de perto porque julgo central sua pertinência para a produção de normas sexuais compartilhadas entre pares. A gramática geracional, ou seja, os códigos que são entendidos pelos indivíduos de uma mesma geração, cria um vocabulário que confere inteligibilidade às ações individuais num determinado contexto e, assim, contribui para a construção de trajetórias individuais.


As concepções de geração e as representações sobre sexualidade


Os estudos geracionais, principalmente na antropologia brasileira, já contam com trabalhos de peso, como os de Debert (1999), Motta (2002), Simões (2004), Lins de Barros (1987), Eckert (1998), Riffioti (1998) e Peixoto (2000). Através destes autores, podemos perceber dois empregos distintos do termo geração como categoria analítica. Num caso, indica-se a geração como posição no interior da estrutura de parentesco, alinhada à organização social do ciclo de vida. Em outro caso, no sentido mais mannheimiano do termo e com o qual eu tenho trabalhado em minhas pesquisas, a geração designa um coletivo de indivíduos que vivem em determinada época ou tempo social, têm aproximadamente a mesma idade e compartilham alguma forma de experiência ou vivência” (Motta, 2004:350).

As duas acepções do termo geração podem ser usadas para pensarmos a relação entre as gerações e as representações sobre a sexualidade. Do ponto de vista das relações de parentesco e da organização social do ciclo de vida, é possível tornar mais explícita a conexão entre sexualidade e reprodução. Particularmente no caso das sociedades ocidentais contemporâneas, ilumina-se a perspectiva do modelo heterossexual de família, centrado no casamento monogâmico com padrões claros de divisão de gênero e de idade. A reflexão histórica e sociológica sobre o advento da família patriarcal e da família burguesa como modelos normativos deve muito ao emprego da perspectiva geracional. O lugar da sexualidade nesses modelos de família vinculou-se à reprodução e classificou como desvio todas as práticas eróticas que não se comprometiam com a reprodução como objetivo final da relação sexual. Entendida a partir do discurso religioso e posteriormente do discurso médico-biológico, a estruturação do parentesco e do ciclo da vida no Ocidente é uma obra, como afirma Foucault (1978), que coloca em ação dispositivos de poder-saber que têm na regulação da vida sexual seu ponto-chave.

Os trabalhos antropológicos são especialmente importantes para compreendermos o caráter histórico dessa construção social que relaciona linearmente sexualidade/geração/reprodução porque trazem dados etnográficos que servem à comparação. Em outras formas de organização do parentesco e do ciclo de vida, a sexualidade também está implicada, mas não com as mesmas características nem com a mesma centralidade atribuída pelo Ocidente. A regulação da vida sexual não obedece sempre prioritariamente à lógica da perfeita continuidade entre relação sexual/gravidez/reprodução e da divisão entre masculino/feminino como par fixo de oposições excludentes, como mostram os trabalhos de Strathern (2001) a partir da Melanésia, e o de Fisher entre os Caiapó da Amazônia (2001). Nesses contextos, outras percepções da relação entre os gêneros são acionadas, o masculino e o feminino são antes vistos como combinações e não como separação. A reprodução não é considerada um ato de fertilização; ela é um processo que envolve múltiplas relações.


Nas Trobriands, o casal reprodutivo (a ser controlado por tabus de interação social) é o irmão e a irmã; a implantação embrionária se dá via espíritos matrilineares; o intercurso sexual é entre marido e mulher. O importante é que cada um desses atos implica um relacionamento: as relações duradouras de membros lineares uns com os outros, a filiação da criança à sua própria linhagem ancestral (materna), e a família baseada no trabalho conjunto dos esposos. E há outro elemento. O crescimento do feto, que os euro-americanos veem como um processo espontâneo natural, é entre os trobriandeses efetuado por meio do ato nutridor do homem que tem relações sexuais com a mãe; o intercurso sexual é um instrumento dessa relação de sustento (Strathern, 1995:319).


Ao colocar em perspectiva estas outras leituras da sexualidade, do ciclo da vida e das relações de parentesco, podemos começar a fazer perguntas sobre a nossa maneira de articular essas dimensões.

A segunda acepção do termo geração – aquela que indica a construção de códigos que conferem inteligibilidade às ações individuais num determinado contexto histórico – é a que pretendo priorizar neste texto. É na segunda acepção que a temática do individualismo moderno ganha relevo, ou seja, essa forma de compreender as gerações como “coletivos de indivíduos” só faz sentido numa sociedade que se pensa individualizada. A experiência geracional ganha significado como forma de aglutinar os indivíduos em torno de redes de pertencimento e de reciprocidade marcadas pelo ideário da “livre escolha”, para além dos vínculos que estabelecem com a família e com o Estado, os quais são vistos como laços obrigatórios. A geração, embora tenha um componente obrigatório, isto é, ela pressupõe o compartilhamento de um momento histórico, tem, por outro lado, um caráter de escolha nela embutido: para ser de uma mesma geração não basta uma idade aproximada, mas é necessária a reunião de condições subjetivas que permitam a participação do indivíduo na produção dos mesmos códigos de entendimento.

Um ethos1 comum permeia os membros de uma mesma geração, e este ethos pode ser cultivado pelos indivíduos através das interações que eles estabelecem uns com os outros. Não quero dizer com isto que o pertencimento a uma geração seja um ato racional, no sentido de estrategicamente calculado pelo indivíduo, mas ele é um ato consciente, ou seja, a identificação do indivíduo como parte de uma geração é um processo que se dá a posteriori e depende do aval dos outros, identificados como membros daquela geração, e do próprio indivíduo que constrói um discurso de pertencimento e de identificação baseado em eventos que ele testemunhou ou de que participou diretamente. O pertencimento geracional é um ato de memória, por isso, só sabemos mais claramente das gerações depois que elas passam. Elas só se materializam como grupo com símbolos definidos depois que são processados pela memória coletiva.2


O material da pesquisa: duas gerações de mulheres


O sexo biológico é um dos critérios que orientam a seleção de informantes para esta pesquisa. Classificação etária, pertencimento de classe, orientação sexual, escolaridade e estado civil foram combinados ao sexo para busca de possíveis entrevistadas. No desenho da pesquisa, a ideia era a de manter alguns aspectos comuns ao conjunto de entrevistadas e variar outros. Assim, sexo, geração, classe e escolaridade foram escolhidos como aspectos que aglutinariam as entrevistadas, e orientação sexual e estado civil, como critérios de variação. A intenção era a de encontrar trajetórias sexuais e afetivas diversificadas por orientação sexual e experiência com relacionamentos em um conjunto mais ou menos homogêneo de indivíduos.

Se o sexo biológico entra como um dos elementos de classificação do universo de pesquisa, não devemos deduzir, no entanto, que esta inscrição sexual dos corpos leve necessariamente a uma identificação com o gênero. A dimensão de gênero não é produzida a partir do sexo biológico, embora não possamos negar que a classificação por sexo tenha efeitos na forma como os indivíduos se situam no mundo. Mas esses efeitos só fazem sentido na medida em que são vividos em práticas concretas de relações com outros indivíduos, em contextos sociais determinados. É somente em tais relações que a percepção que os indivíduos têm de seus próprios corpos como corpos sexuados começa a fazer algum sentido.

A percepção do corpo como sexuado é uma produção que implica alguma articulação com as dimensões de gênero e de sexualidade. Até que ponto e em que medida se aciona uma linguagem de gênero para falar do próprio corpo e das relações amorosas? De que maneira o desejo erótico escapa às classificações binárias que opõem a sexualidade feminina à sexualidade masculina? Como escreve Henrietta L. Moore em seu artigo “Whatever happened to women and men? Gender and other crisis in anthropology”, o maior privilégio da abordagem antropológica é permitir “documentar as percepções e práticas dos indivíduos e a relação dessas percepções e práticas com visões dominantes sobre sexo, gênero e sexualidade (1999:158).

Assim, ao ouvir mulheres falando sobre suas relações de amor e sexo, é necessário ter em mente que importa menos o fato de elas se apresentarem fisicamente como mulheres e mais a maneira como esta classificação corporal articula-se com outros fatores sociais (como geração, classe e escolaridade) e com os contextos a partir dos quais elas falam sobre suas experiências sexuais e afetivas. Por isso, os relatos colhidos são situados em contextos geracionais e em situações relacionais, ou seja, a análise das trajetórias de vida afetiva e sexual é balizada pelo cenário onde ocorrem as relações de amor e sexo e pelas interações estabelecidas entre a narradora e as personagens que ela elege como partes de sua história. Desta forma, falar de mulheres não significa partir de uma “categoria natural”, mas compreender a multiplicidade de sentidos que entram em choque e em combinação para estruturar continuamente uma concepção social de gênero.

Os depoimentos reunidos para esta pesquisa foram colhidos em dois momentos: o primeiro, entre final de 2004 e ao longo de 2005, e o segundo, durante o ano de 2007. No primeiro momento, foram realizadas entrevistas com mulheres nascidas entre os anos de 1937 e 1945. Para a confecção deste artigo, selecionei sete depoimentos feitos por mulheres que se aproximam bastante socialmente. Todas residem na zona sul da cidade do Rio de Janeiro (cinco moram sozinhas, todas são proprietárias dos imóveis onde residem), são brancas, com ensino superior completo (três chegaram à pós-graduação). Elas são formadas em administração de empresas, biblioteconomia, arquitetura, geografia, jornalismo, letras e enfermagem. Seis mulheres são aposentadas: cinco delas foram funcionárias públicas de renomadas instituições federais, outra se aposentou como autônoma e conta com um patrimônio em imóveis, herdado da família. Três entrevistadas ainda trabalham regularmente: duas como professoras no ensino superior e uma como tradutora. Uma delas está casada há 41 anos, três são separadas (uma teve dois casamentos que redundaram em duas separações), duas são solteiras e uma é viúva. Três nunca tiveram filhos. As outras quatro tiveram entre dois e quatro filhos. Três são avós. Somente uma revelou ter feito dois abortos ao longo de sua vida reprodutiva. Em termos de experiência sexual, duas relataram ter tido relações sexuais com mulheres em alguns momentos de suas vidas, mas não se identificaram como homossexuais. Cinco não mantinham nenhum relacionamento afetivo-sexual no momento da entrevista.

No segundo momento, foram feitas entrevistas com quatro mulheres: uma nascida em 1934 e as outras três entre 1943 e 1947. Nesse segundo momento, houve uma preocupação em conseguir entrevistas com mulheres que se identificassem como homossexuais. Três são aposentadas, todas pela iniciativa privada: uma foi gerente de RH de uma grande rede de supermercados, uma foi professora de artes do ensino fundamental em escolas privadas (esta ainda trabalha) e a outra foi economista. Uma não está aposentada e é microempresária. Todas são brancas. Quase todas frequentaram o ensino superior, com exceção de uma que seguiu a carreira de atriz e professora de teatro. Uma se formou em economia, uma em comunicação social e a outra em administração de empresas. Três residem na zona sul e uma no centro. Todas são proprietárias dos imóveis onde residem. Só uma delas vive sozinha. Uma vive com a irmã, outra com uma namorada e a outra com os três filhos adotivos. Todas estavam tendo um relacionamento afetivo-sexual no momento da entrevista. Em relação às experiências conjugais ao longo da vida: uma delas nunca havia vivido com ninguém até recentemente (estava então coabitando há dois anos com a namorada), uma tinha sido casada com um homem com quem teve dois filhos e hoje é avó de dois netos (a única neste grupo que relatou experiência de gravidez e aborto); ela e o esposo se separaram após dois anos de vida marital. Uma perdeu sua companheira num acidente há três anos; elas ficaram juntas por vinte anos; outra já havia morado com namoradas: a primeira experiência conjugal durou quatro anos, a segunda, sete e a terceira, quinze anos. Esta mulher declarou jamais ter tido relações sexuais com homem.

Juntando esses dois grupos, temos um universo etário que vai dos 60 aos 73 anos, com um capital cultural semelhante e nível de renda uniforme. Todas tiveram ou têm experiência profissional e são responsáveis por seu próprio sustento e, em muitos casos, pelo sustento e o cuidado de outras pessoas. Temos ao todo 11 trajetórias afetivas e sexuais neste grupo.

Ainda no segundo momento da pesquisa, ao longo do ano de 2007, realizei entrevistas com outro grupo de mulheres, nascidas entre 1958 e 1970 (as idades variam entre 37 e 49 anos). Nesse universo temos 14 entrevistas. Dez entrevistadas vivem na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, as outras quatro moram na Ilha do Governador, em São Gonçalo, no bairro da Tijuca e no Centro da cidade do Rio de Janeiro, respectivamente.3 Somente uma das entrevistadas é negra. Quatro são proprietárias dos apartamentos onde moram. Cinco residem sozinhas. Cinco residem com parceiro(a) e filhos, e duas somente com a parceira, sem filhos. Duas mulheres residem com as suas mães. Todas elas trabalham fora e as atividades exercidas são: fonoaudióloga, fotógrafa, produtora de eventos (duas realizam essa atividade), economista, professora universitária, jornalista, assistente social, arquiteta, designer, microempresária, gerente de projetos, contadora, assessora de imprensa.

Neste conjunto de depoentes, 10 relataram prover seu próprio sustento ou dividirem a responsabilidade financeira da casa e da família com outra pessoa, em geral cônjuge ou parceiro(a). Todas fizeram faculdade, sendo que cinco tiveram também acesso à pós-graduação. Sete mulheres são casadas, em média há dez anos, sendo que três delas estão na segunda e terceira uniões. Duas estão separadas, sendo que uma delas estava namorando no momento da entrevista. Cinco entrevistadas são solteiras, três delas não estavam tendo nenhum relacionamento afetivo-sexual quando da entrevista. Duas que se apresentaram como solteiras já haviam vivido com uma parceira. Seis são mães e têm entre um e dois filhos. Cinco mulheres relataram ter feito entre um e três abortos. Cinco identificaram-se como homossexuais (uma delas nunca teve relações sexuais com homem), uma como bissexual e as demais como heterossexuais, entre estas últimas, uma relatou ter tido relações sexuais com uma mulher.

As mulheres que compõem os grupos entrevistados foram acionadas a partir de indicações de conhecidos. Na geração mais velha, a maior parte das entrevistadas se conhece e são amigas. Na geração mais jovem, as mulheres foram indicadas por amigas e conhecidos meus de diferentes redes de contato.

O que pode haver de comparável entre estes dois grupos? Podemos nomeá-las como membros de diferentes gerações do ponto de vista do ethos sexual?

Elas têm escolaridade semelhante e se autoidentificam como pertencentes às camadas médias urbanas. Por outro lado, estão em momentos do ciclo da vida muito diferentes: de um lado, temos mulheres que já consolidaram suas carreiras profissionais e organizaram sua vida financeira. Aquelas que tiveram filhos já são avós e metade delas não tinha nem mais a expectativa de encontrar uma parceria afetiva e sexual na vida. De outro lado, temos mulheres que estão vivendo a construção da carreira, algumas com sérias dúvidas profissionais. Com filhos ainda pequenos – quatro mulheres, entre seis que são mães, têm crianças com menos de 10 anos de idade – elas se equilibram entre a vida doméstica, a vida afetiva e sexual e o trabalho. Aquelas que não estão casadas ou com relacionamento afetivo-sexual estável esperam encontrar um parceiro ou parceira. Aquelas que já dividem o mesmo teto com alguém e não tiveram crianças falam da dúvida sobre a maternidade, outras discorrem sobre as crises da vida a dois.

Uma forma de encontrar um eixo comparativo entre esses universos paralelos é costurar os pontos comuns das trajetórias individuais. Se as mulheres mais velhas aparentemente estão num momento de maior estabilidade em suas vidas, como teria sido a vida delas antes desse tempo? Será que as suas trajetórias quando tinham em torno de 40 anos eram muito diversas das trajetórias das mulheres de 40 de hoje? E como será que ambos os grupos viveram o início de sua trajetória afetiva e sexual? Como ambos pensam a questão da orientação sexual? Como lidam com a satisfação sexual? Com a escolha de parcerias sexuais e com o estabelecimento de relações amorosas? A pesquisa volta-se para responder a estas perguntas. Neste artigo, vamos nos deter em um aspecto: a configuração desses grupos como gerações que partilham cada uma a seu modo de uma gramática sexual. A fim de ilustrar essa comparação, apresento um tema transversal a todas as entrevistas: a fidelidade.


Dentro/fora da relação


A fidelidade conjugal foi um tema que despertou o interesse das entrevistadas. Todas tinham uma história para contar: de ter traído, de ter quase traído, de ser traída, de descobrir e de desconfiar. O que é traição? Para elas, a traição tem um sentido bem amplo, não se trata somente de ter relações sexuais com alguém “fora” do relacionamento – e o binômio “fora/dentro” é muito importante – mas também de imaginar-se “fora” da relação.

Mirian Goldenberg publicou em 2006 os resultados de uma pesquisa feita com 1.279 pessoas, entre 17 e 50 anos, das camadas médias, sobre fidelidade. Em seus achados, ela destaca que 47% das mulheres já traíram seus parceiros e alegam como motivos principais: a vingança e o desinteresse sexual do marido por elas. Em minha pesquisa, que não é quantitativa e que inclui mulheres heterossexuais e homossexuais em faixas etárias mais restritas, a preocupação revelada pelas mulheres é com a valorização simbólica desse evento para a vida do par. Nesse sentido, eu gostaria de abordar a dicotomia “fora/dentro”, acionada por todas as mulheres ao falar da traição.

Além da ausência de parâmetros claros para definir o que é ou não é traição, existe ainda o problema de sua revelação: contar ou não contar, saber ou não saber? Revelar supõe ter que fazer alguma coisa a respeito, o que não quer dizer necessariamente terminar a relação e começar outra, embora isto aconteça em alguns casos. No trabalho de Goldenberg, a autora também ressalta que grande parte dos casos de infidelidade não redundou no fim da relação, embora sejam vistos como sinônimo de “crise”. As mulheres entrevistadas por mim, sejam homossexuais ou heterossexuais, pertencentes a gerações diferentes, dizem que traem ou já traíram seus ex e/ou atuais parceiros e parceiras, às vezes mais de uma vez. Diferente do que apareceu no estudo de Goldenberg, nenhuma das minhas entrevistadas apresentou como justificativa para a traição a vingança ou o desinteresse sexual do marido ou da companheira. A linguagem usada refere-se a duas possibilidades distintas: de um lado, aparece o compromisso com a manutenção de uma vida individual, independente da relação, o que valeria igualmente para homens e mulheres – razão que na pesquisa de Goldenberg aparece mais referida pelos homens.


Hoje eu acho que a vida de cada um tem um espaço individual, que não afeta a relação. A fidelidade é muito mais com o sentimento, não acho que tenha que ter fidelidade absoluta. Acho que ser fiel é uma coisa de respeito, de preservar o relacionamento. Mas se você sair e der um beijo em alguém ou transar com alguém, não necessariamente você vai estar estragando a relação (Alice, 44 anos).


Por outro lado, em outras narrativas, a infidelidade é tratada como um dilema, cercada de muito sofrimento, seja a depoente traída ou traidora, porque implica o risco de envolvimento emocional com outra pessoa além do parceiro ou parceira. Nesses casos, a dor advém do abalo sentimental que uma relação sexual paralela pode trazer; não é tanto o medo de perder o parceiro ou a parceira se ela ou ele souberem, mas de se sentir envolvida emocionalmente com alguém “de fora” enquanto está comprometida.


Ah, se eu te disser que não tenho essa fantasia (de trair o marido), eu estaria mentindo. Mas assim, eu tenho muito medo de encarar outra relação, eu acho que eu sou muito apaixonada. Então, se eu botar outra pessoa na minha vida é porque eu to apaixonada e se eu to a fim é porque eu to a fim, se eu to a fim é porque eu quero ficar com ele (Simone, 43 anos).


Nenhuma delas acredita jamais ter sido traída por uma parceira ou parceiro, embora prefiram não ter certeza. Trazer a traição “para dentro” da relação, ou seja, colocá-la como um tema para o casal, é dar um passo arriscado, não se sabe o rumo que o assunto possa tomar. Assim, as mulheres operam uma divisão entre o que acontece “dentro” da relação do casal e o que se passa “fora”. Enquanto essas fronteiras estiverem bem delimitadas, a traição não será um problema: paquerar um colega de trabalho, dar uns beijos por aí não constituem ameaça; o problema é o risco de se apaixonar. Um risco que parece ser muito vívido para as mulheres quando dizem que a traição feminina é diferente da masculina, porque os homens já sabem “separar as coisas”, ou seja, a divisão dentro/fora é inerente à constituição masculina, ao passo que elas têm que aprender a separar. Espera-se que o par também saiba dosar e fazer a separação dentro/fora da relação. Os homens são vistos como experts na prática da observação de fronteiras.

Alessandra, 40 anos, se viu envolvida num drama recentemente: o marido adquiriu uma doença venérea, o HPV (Human Papiloma Virus), e teve que contar para ela. Alessandra optou por não investigar mais a história, mas a desconfiança permanece.


Aconteceu uma vez uma história: ele pegou um vírus, HPV, que é um vírus transmitido sexualmente. Foi uma história muito doida porque a gente já estava casada há alguns anos e isso apareceu e, diz ele, foi de uma relação anterior ao nosso relacionamento. Foi toda uma história, explicação de médico e o escambau. Eu, graças a Deus, não peguei esse negócio. Mas, enfim, foi uma coisa superconstrangedora essa situação, sabe? Como assim? Pegou esse negócio?


O drama dessa situação coloca Alessandra na posição de ter que administrar uma “definição da realidade” (Goffman, 1995). O marido e o médico oferecem uma explicação do evento que mantém a divisão dentro/fora. Alessandra, por seu turno, opta por manter em suspenso sua desconfiança, não revelando ao marido suas dúvidas para não deflagrar uma “crise” da relação.

O mesmo dilema de constituição da fronteira dentro/fora é acionado pelas narrativas das mulheres homossexuais. Também entre elas, sem marcantes diferenças geracionais, a infidelidade é lida como uma prova de que os sentimentos já mudaram e de que a relação pode deslizar do casamento para a amizade.


As mulheres homossexuais são muito assim. Se alguém te interessa lá fora é porque a relação não tá legal, então você termina a relação, ou então às vezes nem termina. Que com mulher acontece muito isso, né? Você tem a relação, aí você se apaixona por outra pessoa, mas você não consegue acabar com aquela relação, e aí a outra pessoa não é burra, ela vai começando a perceber que você muda, né? E aí a outra pessoa vai te encostando na parede, vai te encostando na parede, você vai dizendo que não, que ela tá delirando, e na verdade não é isso não, você tá realmente envolvida com outra pessoa aqui fora. Eu canso de ver isso, é impressionante! Aí a pessoa quando ela não tem mais saída é que ela abre o caminho. Eu acho que funciona assim: eu só vou terminar essa relação se eu souber que essa outra vai se manter. Ela não dá um tempo de terminar a relação, zerar aquilo, ficar sozinha pra tentar outra coisa. Não! Ela quer sair direto! Aí ela fica pulando, eu conheço um monte de gente que faz isso (Suzana, 49 anos).


A noção de que “com mulher acontece isso” indica a preeminência da marcação de gênero. Mais uma vez a ideia de que as mulheres não estão habituadas à construção de fronteiras claras entre dentro e fora da relação. A manutenção de vínculos de dependência, de amizade e de ajuda mútua entre ex-parceiras não é rara. Mesmo no caso de supostas traições, elas não são o motivo que leva à ruptura dos laços. Em muitas situações, a relação muda de qualidade, mas não deixa de existir. Por isso, a constante referência ao deslizamento do casamento para a amizade entre mulheres homossexuais (Heilborn, 2004).

Gostaria de marcar uma diferença geracional que considero importante e que foi revelada na análise das entrevistas: as mulheres mais velhas, heterossexuais, falam especialmente da situação de suas mães, traídas pelos maridos, sofredoras, e condenam essa situação. Elas, embora também não confiem na fidelidade de seus esposos, acham que encontraram outra fórmula para lidar com a situação. Culpam-se menos do que suas mães se culpavam e acham que a traição, se descoberta, não deve ser relevada. Elas mesmas se envolveram em casos extraconjugais que culminaram com o rompimento do casamento. O caso já era o sinal de que o casamento não as satisfazia mais e coincidiu com mudanças em outras áreas da vida pessoal, como o trabalho. Essa geração descobriu que a separação poderia ser o melhor remédio e não uma desgraça, embora socialmente se sentissem discriminadas. A mulher traidora não recebia muita compreensão. No trabalho de Gilberto Velho, Nobres e Anjos (1998), em que ele estuda um grupo específico de jovens de camadas médias da zona sul carioca nos anos 1970, a infidelidade no casal heterossexual era incentivada e até valorizada, mas havia limites claros para essa transgressão, principalmente para as mulheres.


Em termos de relações conjugais, é importante lembrar que a infidelidade masculina era muito mais tolerada e que, no caso das separações de casais, quando alguém se afastava do grupo era justamente a mulher. Em dois casos, pelo menos, mulheres foram fortemente discriminadas por terem cometido infidelidades. Mais uma vez aparece a ambiguidade. Em certas situações, como festas, um certo clima de liberalidade conjugal era não só valorizado como incentivado. No entanto, especialmente no caso das mulheres, quando um passo mais drástico era tomado, poderia haver uma forte reação moralista em que padrões aparentemente tradicionais eram acionados. Basicamente, se a mulher fosse o primeiro membro do casal a ostensivamente tomar a iniciativa de uma aventura extraconjugal, a reação era muito vigorosa (Velho, 1998:57).


Essa geração que hoje tem entre 60 e 70 anos conviveu em sua juventude com um cenário histórico em que a sexualidade era vista como campo de contestação social. As relações conjugais vividas a partir da década de 1960 eram permeadas, pelos menos em alguns segmentos das camadas médias intelectuais e urbanas, como um espaço que não poderia cercear a individualidade de cada membro da díade. Com graus variados de ênfase, a infidelidade ganha o status duplo de uma forma de expressão da individualidade, ao mesmo tempo em que sua confissão serve de código de consolidação da lógica do casal igualitário diante do que seria visto como um modelo tradicional de casamento (leia-se o casamento de seus pais).

A traição e sua visibilidade são vistas como expressões de um ethos conjugal dessa geração. Assim, o “casamento aberto” e a confissão da verdade dos sentimentos, inclusive das traições, entram na pauta das experiências idiossincráticas que um modelo de “individualismo psicologizante-libertário” (Salem, 2007) advoga. Mesmo que persistam limites claros de gênero, eles não podem ser lidos como obstáculos ao ideal igualitário, mas antes como limites constitutivos do dilema da igualdade moderna: o de construir a unidade na diversidade (Salem, 2007), dilema este que parece ter sido o cenário das relações conjugais dessa geração que hoje tem entre 60 e 70 anos de idade.

No meu grupo de mulheres entrevistadas dessa geração, a referência ao “casamento aberto” não apareceu como uma prática disseminada, embora fosse uma referência moderna para falar das relações conjugais. Mas elas reconheciam haver uma diferença em relação à geração de suas mães que eram “vítimas” da infidelidade masculina. O laço conjugal para essa geração de mulheres é pensado como uma máquina que, depois de certo tempo de uso, deixa de operar e não tem como ser remendada. O que importava antes de tudo era ser “verdadeiro consigo mesmo”.


Se você me perguntar por que eu não vou saber dizer, sabe? Deu uma degringolada. Eu dizia que era mais por choque de interesses. Ele era uma pessoa supercentrada e eu queria mudar o mundo. Mas não tinha nenhuma, sei lá, foi falência mesmo (V., 68 anos, separou-se em 1978 do primeiro marido).


A geração que hoje tem em torno de 40 anos e que está em relações conjugais estáveis não se compromete mais com esse ideário confessional em torno da fidelidade. A traição é tida como um fato provável para ambos os sexos, mas não como algo que deva ser tratado na relação (trazido para dentro); a não ser que se queira assumir a “crise” da relação. Uma atitude que exige a disposição de ambos para resolvê-la, seja pelo fim do relacionamento, ou por sua redenção; o recurso às diversas formas de terapia de casal, a busca de mecanismos para “esquentar a relação a dois” me parecem ser mais comuns nessa geração do que na anterior. Todas as mulheres jovens casadas falaram das estratégias para manter o casamento funcionando, com especial ênfase dada às terapias e às conversas a respeito da vida sexual do par, incluindo decisões do casal sobre o uso ou não de produtos eróticos no ato sexual. Essas mesmas mulheres também falaram sobre a dificuldade de operacionalizar tais estratégias. A conversa não tem sempre ressonância na prática do casal.

Na geração mais velha, o ethos psicologizante estava referido a um mergulho do indivíduo na exploração de sua própria intimidade e singularidade, e a manutenção das relações fazia sentido se contribuísse para esse autoconhecimento. A denúncia da farsa da fidelidade constituía-se como um enredo libertário do eu em relação aos constrangimentos sociais e psicológicos.4 Hoje a infidelidade não tem mais esse status. Ela é tida como um potencial problema, se trazida “para dentro” da relação; problema que pode ser equacionado através de certas técnicas de intervenção, como a terapia e as conversas entre os parceiros sobre a relação.



Considerações finais


A questão da infidelidade e da traição permite o tratamento do tema da conjugalidade. Este tema abrange discussões sobre relações de gênero e sexualidade. A perspectiva comparativa entre gerações contribui para o seu entendimento porque assinala mudanças e continuidades nas formas de se pensarem as relações conjugais.


Existem três pontos que sobressaem na comparação entre as mulheres entrevistadas:

  1. A visão da infidelidade como uma transgressão moral

  2. O aprendizado feminino da infidelidade

  3. O papel da fidelidade/infidelidade na construção da relação a dois


Em relação ao primeiro aspecto, parece haver uma mudança entre uma geração e outra de mulheres entrevistadas. As mulheres que estão hoje na faixa dos 60/70 anos construíram um discurso em que a traição (masculina) era vista como uma prática opressora existente nas relações entre seus pais. Nesse caso, não aceitar as regras “tradicionais” que impunham silêncio às mulheres é tido como um produto da liberação feminina que essa geração conquistou. Assim, elas passam a não tolerar as traições masculinas em contraposição às suas mães que, segundo elas, sofriam caladas as infidelidades dos maridos. Por outro lado, a traição feminina, embora menos referida do que a masculina, mistura-se com outras rupturas operadas pelas mulheres em suas vidas privadas. Os relatos de traição dos maridos pelas mulheres são situados num momento da vida em que essas mulheres estavam atravessando “crises pessoais”, mais ou menos por volta dos 35/40 anos de idade. A insatisfação com a vida de casada, a ausência de perspectivas profissionais, a vontade de construir um sentido de si fora das relações conjugais e da maternidade aparecem como elementos relacionados ao contexto da traição. Não são suas causas, mas seus condicionantes. A traição feminina é assim justificada. Nos casos relatados a mim, a traição foi seguida de separação conjugal.

Um aspecto importante é que as histórias de traição são mantidas em segredo para a família. As histórias de traição ficaram reservadas ao ex-casal ou, o que é mais comum, a mulher jamais ousou contá-la ao ex-marido. Como afirmei anteriormente, a prática do “casamento aberto” não era tão frequente.

A teoria interacionista sobre o desvio nos oferece pistas para tratar do significado da traição nesse contexto:


[...] não existem desviantes em si mesmos, mas sim uma relação entre atores (indivíduos e grupos) que acusam outros atores de estarem consciente ou inconscientemente quebrando, com seu comportamento, limites e valores de determinada situação sociocultural. Trata-se, portanto, de um confronto entre acusados e acusadores (Velho, 1974:23).


As mulheres apoderam-se do estigma da traição e oferecem uma releitura de seu valor: ser traída é inaceitável; trair é uma ação atravessada por outras que indicam uma busca da mulher por sua individualidade num momento particular do ciclo de vida. Ao manter segredo sobre relações fora do casamento, as mulheres demonstram estar conscientes do caráter de desvio socialmente imputado à traição feminina.

Nas gerações mais jovens, que estão na faixa dos 40 anos de idade hoje, a traição tem outra dimensão. Ela passa a ser vista como parte integrante da vida do casal, ou seja, uma probabilidade tanto para homens quanto para mulheres. A diferença, segundo algumas mulheres, está no fato de que os homens “sabem” observar os limites entre o dentro e o fora da relação, ao passo que as mulheres “não sabem” e precisam aprender. Algumas mulheres referem-se ao risco da paixão como um obstáculo à observação dos limites. O feminino é visto como mais propenso a esse risco. Portanto, a traição feminina é potencialmente mais perigosa para a relação do que a masculina. Este aspecto nos leva ao segundo ponto ao qual me referi acima (o aprendizado feminino da infidelidade).

Algumas mulheres das gerações mais jovens abordaram o fato de as mulheres “não saberem” separar dentro/fora da relação porque se deixam levar pela paixão. Curiosamente, é um ponto do discurso que opera com valores tradicionais de gênero num contexto de mudanças. A ideia da traição feminina como guiada pela paixão é diferente da ideia de traição feminina colocada pela geração anterior. Neste caso, a traição era produto de um processo de insatisfações e descobertas pessoais que tinham a ver com o fracasso de um projeto de casamento romântico e com a afirmação de si, ou seja, com uma forma de a mulher se colocar como indivíduo. Na geração mais jovem, a traição é um momento arriscado, posto à parte, porque dá vazão a sentimentos incontroláveis. As mulheres devem aprender a administrar esse risco para que não haja interferências externas na relação. Elas devem aprender a exercitar o autocontrole, algo que é visto como constitutivo do masculino. Penso que podem ser as redes entre mulheres (redes de amizade) que se configuram como locais onde as mulheres aprendem, entre si, a regular o fora e o dentro da relação. Mas esta é uma hipótese a ser trabalhada em futuras investigações.

Por outro lado, em outros discursos dessa geração mais jovem é o próprio casal quem aparece como o único responsável pelo estabelecimento desses limites. Não há uma definição a priori do que leva homens e mulheres a traírem, ou se homens e mulheres são diferentes neste ponto. O sentido da traição, tanto feminina como masculina, é negociado pelo próprio casal, o julgamento da infidelidade é visto como pertencente à esfera privada do par e somente o par pode estipular, caso a caso, o que “estraga a relação”. Ainda há uma percepção de fronteira dentro/fora da relação, mas ela é cotidianamente refeita. Nesse tipo de discurso, as barreiras de gênero são suspensas e surge uma perspectiva que percebe as relações amorosas como aquelas que escapam de uma obediência estrita a regras morais. Na vida cotidiana dos casais, os limites entre certo e errado seriam negociados por ambos. Uma das entrevistadas usou a noção de respeito para se referir a esses limites. Enquanto as pessoas não se sentem desrespeitadas, a relação é preservada, o que indica uma negociação permanente no casamento. Esta noção também se diferencia da geração mais velha, porque não considera divergências de gênero.5

Tal afirmativa nos leva ao terceiro ponto: o papel da fidelidade/infidelidade na construção da relação a dois. Continuando a comparação geracional: as gerações mais velhas não sinalizam a possibilidade de reconstrução das relações conjugais após a revelação de uma traição. A ideia de que o casamento é uma máquina que depois de algum tempo de uso não tem mais como ser reparada é uma imagem forte. Nesse sentido, a discordância é em relação ao padrão de casamento vigente na geração de seus pais, ou seja, o laço indissolúvel pautado pela ideia de obrigação. Essa geração rompeu com esse mandamento e buscou a relação conjugal regulada pelos sentimentos e pela livre escolha.

A geração seguinte parece estar mais orientada pela expectativa do “amor-construção”:

Frequente nos discursos dos mais jovens, essa perspectiva caracteriza-se por se assumir desde logo que, se o amor e a paixão foram o pretexto inicial para o casamento, rapidamente ele foi se transformando num sentimento mais estável, mais construído. Descobriram-se aspectos novos e até outros sentimentos [...] ao mesmo tempo em que desidealiza o parceiro e ele cai do pedestal para se tornar mais falível, menos entusiasmante, mais previsível e, possivelmente, mais próximo.

Esse modelo de amor-construção implica maior paridade entre homens e mulheres, mas conhece ainda as assimetrias [...]. Nessa contradição entre interesses que são agora reconhecidos como paritários em nível de ideias e as práticas ainda assimétrica, residem algumas das disfuncionalidades e incoerências (Torres, 2000:154-5).


Nesse modelo, a traição pode até ser considerada como um elemento para a reconstrução do casal. A ameaça está na forma de administrar o segredo. Quando, como e por que se revela uma traição para o parceiro ou a parceira? Quem pode revelar? Quem pode saber? O que os parceiros concordam ser uma traição? Estas perguntas só podem ser respondidas nas situações concretas. Cria-se um ideal de intimidade da díade que se torna assim a esfera para a definição da traição como um fato.

Seria interessante pensarmos sobre essa mudança de valores no interior das camadas médias. Até que ponto essa mudança está presente em outras redes sociais? Ou em outras classes sociais?

Para concluir, o estudo das relações conjugais a partir de uma perspectiva geracional e de gênero coloca em movimento diferentes percepções sobre valores relativos à moral sexual. Desta maneira, põe em evidência seu caráter histórico.



Perfil biográfico das entrevistadas


Os nomes são fictícios. Quanto ao estado civil, mantive a nomenclatura que mais se aproximava da maneira como as entrevistadas se definiram.


GERAÇÃO 1

Vitória – 68 anos, branca, aposentada, separada, mora sozinha.

Laura – 67 anos, branca, aposentada, mas continua a trabalhar por conta própria, separada, mora sozinha, tem namorado.

Teresa – 64 anos, branca, funcionária pública, solteira, mora com parentes.

Eliane – 67 anos, branca, aposentada, mas continua a trabalhar por conta própria, separada, mora sozinha.

Neide – 69 anos, branca, aposentada, solteira, mora sozinha.

Roberta – 60 anos, branca, aposentada, solteira, mora sozinha, tem uma namorada.

Alba – 60 anos, branca, autônoma, viúva, mora com os filhos, tem uma namorada, mas não moram juntas.

Helena – 73 anos, branca, aposentada, solteira, mora com a namorada.

Nair – 64 anos, branca, trabalha em empresa privada, separada, mora com parente, tem namorada.

Selma – 70 anos, branca, aposentada, viúva, mora sozinha.

Claudia – 62 anos, branca, aposentada, casada, mora com o marido.


GERAÇÃO 2

Alice – 44 anos, branca, funcionária pública, casada, mora com marido e filhos.

Simone – 43 anos, branca, autônoma, casada, mora com marido e filhos.

Magda – 44 anos, branca, funcionária pública, casada, mora com marido e filhos.

Júlia – 38 anos, branca, autônoma, separada, mora com filho e mãe, tem namorado.

Mariana – 42 anos, branca, funcionária de empresa privada, solteira, mora sozinha.

Lígia – 39 anos, branca, empregada em uma ong, casada, mora com a companheira e filhos.

Alessandra – 40 anos, branca, autônoma, casada, mora com marido e filho.

Suzana – 49 anos, branca, empregada em uma ong, mora sozinha, tem namorada.

Joana – 41 anos, branca, funcionária pública, casada, ela e a companheira vivem em casas separadas.

Carla – 37 anos, branca, autônoma, casada, mora com a namorada.

Angélica – 47 anos, negra, prestadora de serviço no setor público, solteira, mora com parentes.

Renata – 46 anos, branca, funcionária pública, solteira, mora sozinha, tem namorada.

Fernanda – 40 anos, branca, autônoma, solteira, mora sozinha, tem namorado.

Marta – 40 anos, branca, autônoma, separada, mora sozinha.


Recebido: 16/maio/2009

Aceito para publicação: 15/novembro/09



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1 Utilizo o conceito de ethos aqui no sentido dado por Bateson (1990) ao tratar da cultura iatmul. O ethos seria uma expressão organizada culturalmente das emoções dos indivíduos, o conteúdo da vida afetiva desse grupo de pessoas que se expressa em atitudes emocionais comuns.

2 Para uma discussão mais aprofundada do conceito de memória, ver Halbwachs (1968) e Pollak (1992).


3 Sem que esta pergunta fosse feita, algumas mulheres residentes nesses bairros “justificavam” a moradia em bairros fora da zona sul da cidade. As residências eram próprias e vistas como imóveis amplos e confortáveis que “custariam muito mais se fossem localizados na zona sul”. Ter um apartamento próprio é exibido como sinônimo de status e ascensão social. As entrevistadas também faziam questão de dizer que escolheram “pontos nobres” desses bairros para morarem.

4 Esta análise que faço se deve muito a uma conversa com Tânia Salem sobre meu trabalho. Agradeço muito a ela por esses insights, embora assuma plena responsabilidade pelas críticas que por ventura surjam em relação ao trabalho.


5 Outras pesquisas (Bozon, 2004) apontam que existe uma maior valorização da fidelidade como regra absoluta entre casais nos seus primeiros anos de relacionamento. Essa valorização tenderia a relaxar no decorrer dos anos de união.